Itataia: pesquisadores questionam projeto
A viabilidade da instalação do complexo de exploração de urânio e fosfato de Itataia, assim como o seu processo de licenciamento ambiental que vem sendo realizado, estão sendo questionados por uma equipe de pesquisadores no Estado. O grupo entregou representação contra o projeto ao Ministério Público Federal, à Defensoria Pública da União e ao Escritório Frei Tito de Alencar e querem, a princípio, a reelaboração dos estudos ambientais do empreendimento.
Liderado pelo núcleo de pesquisa Tramas – Trabalho, Meio Ambiente e Saúde, da Universidade Federal do Ceará (UFC), o grupo conta com parceria de pesquisadores da Universidade do Vale do Acaraú (Urca) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e também de instituições da sociedade civil, como a Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap) e a rede Urucum – Direitos Humanos, Comunicação e Justiça. De acordo com eles, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto – que teve sua apresentação iniciada à comunidade ontem, a qual se estende até amanhã em audiências públicas – apresenta insuficiências.
Implantação
O biólogo pesquisador do Núcleo Tramas, Rafael Potiguar, afirma que o grupo é contra a implantação do empreendimento e cita os dois motivos principais: o primeiro é que não haveria, segundo afirma, viabilidade hídrica para o projeto. O segundo diz respeito aos impactos negativos que o empreendimento poderia trazer à saúde da população e ao meio ambiente. Entretanto, o grupo pede inicialmente a reelaboração do estudo ambiental e solicita um maior debate com a sociedade, trazendo audiências públicas para outras cidades impactadas, inclusive Fortaleza, de onde o material será escoado, via Porto do Mucuripe. “Do ponto de vista hídrico, o projeto é inviável, principalmente no momento climático que estamos vivendo, com a maior seca dos últimos 50 anos”, defende.
O grupo lançou uma nota na qual reforça que o complexo vai consumir um milhão de litros de água por hora, em uma região já carente do recurso. “Enquanto as comunidades localizadas no entorno da mina recebem entre 26 e 36 carros-pipa por mês e reivindicam uma adutora há anos, o projeto de mineração de urânio e fosfato receberá o equivalente a aproximadamente 115 carros-pipa por hora e conta com o apoio do Governo do Estado para a construção de uma adutora”, critica.
Açude
Potiguar destaca que o açude Edson Queiroz, que vai abastecer o empreendimento, se encontra hoje com 23,5% de sua capacidade hídrica de armazenamento. “Vai faltar água. A adutora não poderá atender sequer a usina, quanto mais à população da região”, projeta. Ele informa que o grupo já solicitou à Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) que apresente um relatório com dados aprofundados mostrando como o empreendimento pode ser viável, mas o estudo não teria sido entregue.
O grupo também exige a inclusão das demais comunidades no entorno nos estudos. “Num raio de 20 quilômetros da mina, identificamos 42 comunidades que são impactadas pelo empreendimento. Mas o EIA só cita três: Morrinhos, Riacho das Pedras e Queimadas, e o distrito de Lagoa do Mato”, afirma.
Já em relação aos impactos ao meio ambiente e às comunidades, ele diz que, no EIA elaborado para o projeto, “os dados de radioatividade dos minerais não são correlacionados com outros dados ambientais, de saúde e sociológicos”. Ele aponta a preocupação com a dispersão dos poluentes produzidos nas usinas através das águas e dos ventos. “A captação de água das comunidades lá é por cisternas, que também são abastecidas por chuvas. As chuvas interagem com ventos, as poeiras que ficam nos telhados das casas, e isso vai para o consumo humano e para a irrigação”, alerta.
Impactos
Ele informa que a Fiocruz realizou um levantamento da usina de urânio em Caetité, na Bahia, com o instituto de monitoramento radiológico francês Criirad, através do qual foi elaborado um relatório preliminar que apontaria o aumento da radioatividade do ambiente no local, assim como a elevação dos casos de câncer, especialmente de leucemia, nas populações vizinhas à usina. “A usina de Caetité também é explorada pela INB (Indústrias Nucleares do Brasil) e o relatório aponta insuficiências no monitoramento ambiental da empresa. O que nos leva a crer que a realidade não será diferente em Santa Quitéria. Houve, inclusive, a necessidade de fechamento de oito poços por contaminação”.
Empresa diz que atende Ibama
Responsáveis pela instalação do complexo mínero industrial de Itataia, juntamente com a empresa privada Galvani, as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) afirmam que os procedimentos ambientais do projeto seguem as orientações dos órgão licenciadores. Vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a estatal também garante que não vai faltar água para atender à população e à indústria.
Respondendo à demanda do Diário do Nordeste, a empresa afirmou, em nota, que “os estudos relacionados à radioatividade seguem todas as orientações da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnem) e o EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório) foi produzido atendendo ao Termo de Referência que foi emitido pelo Ibama”.
A INB reforça que o estudo epidemiológico elaborado por uma equipe de especialistas da Fiotec/Fiocruz e apresentado à população indica que a incidência de casos de câncer em Caetité, município baiano onde é explorado urânio pela empresa, é semelhante a outras regiões do território baiano onde não há mineração.
Contaminação
“A questão da denúncia sobre poços contaminados foi esclarecida através da seguinte nota da Comissão Nacional de Energia Nuclear: ‘as concentrações de radionuclídeos presentes nestas águas são de origem natural, não tendo nenhuma relação com a operação da unidade de concentrado de urânio em Caetité. Esta afirmação pode ser feita tendo em vista que a CNEN acompanha o programa de monitoração ambiental desta instalação desde antes do seu início de operação e mantém projeto de pesquisa na região incluindo estudos da hidrogeologia na região de influência da INB Caetité”, complementa.
Quanto à abrangência das comunidades que sofreriam impacto do empreendimento, a empresa explica que o EIA/Rima foca em Morrinhos, Queimadas e Riacho das Pedras, em Santa Quitéria, e no distrito Lagoa do Mato, em Itatira, “pela proximidade do projeto e localização nas vias de acesso ao empreendimento, o que os deixa sujeitos aos impactos mais diretos”.
E segue: “É importante ressaltar que o estudo contempla ainda toda a população dos municípios de Santa Quitéria, Itatira, Canindé e Madalena que estão inseridas na área de influência indireta, pois estão sujeitas a impactos de menor proporção”.
Recursos hídricos
A INB garante que não faltará água nem para o empreendimento em Santa Quitéria nem para a população da região. “Estudos sobre a capacidade hídrica, contemplando recorrência e incidência de chuvas, realizados pelo Governo do Estado, afirmam que há capacidade para atender a população e a indústria. Não vai faltar água para a população, mesmo com o uso industrial”, diz, em nota. (SS)
Sérgio de Sousa
Repórter
Fonte: Diário do Nordeste
Tags: AntiNuclear, denúncia, Energia, mineração, nuclear, radiação, renap, santa quitéria, Saúde, urânio, urucum